Essa semana Quentin Tarantino voltou a falar que pensa em parar de dirigir depois de fechar dez filmes. Com o lançamento de “The Hateful Eight” no ano que vem serão oito os seus trabalhos, desde “Cães de Aluguel”. Será uma dezena de vibrantes mergulhos na violência estilizada temperada com referências pop e explosão de cores que, no fundo, são declarações de amor ao próprio cinema.

De forma que faz bastante sentido que ele pense no fechamento de um ciclo em seus próximos dois filmes. Ainda que, como sempre, não dê para cravar em pedra tudo que Tarantino diz. Mesmo na declaração sobre a possível aposentadoria ele fala que é uma questão dele não estragar tudo e se sentir satisfeito com esses dez filmes, deixando seus fãs com um gostinho de quero mais. Mas ainda faz a ressalva de que, se tiver uma boa ideia, não terá problema em fazer mais um.

O que não quer dizer que ele não tenha uma certa razão em fechar esse ciclo dessa forma. Afinal, os seus filmes estão, de certa forma, repetindo o percurso do próprio cinema. E vai chegar um momento de esgotamento dos temas e movimentos do cinema que lhe são caros. É só dar uma olhada em seus trabalhos do ponto de vista cinematográfico.

Começando com “Cães de Aluguel” que resgata as tramas policias e violência urbana dos trabalhos de Martin Scorsese e Brian de Palma. Levando diretamente para “Pulp Fiction”, uma miscelânea de muito do que existe na Nova Hollywood dos anos 70, com mais violência, drogas, tramas rocambolescas e, principalmente, a cena em que Bruce Willis mata John Travolta, simbolizando o ator do cinema de ação dos anos 80 que aposenta o dançarino dos 70.

Em seguida vem “Jackie Brown”, único roteiro adaptado de Tarantino, que mergulha no cinema da blaxpoitation, especialmente ao resgatar Pam Grier, grande estrela de clássicos do cinema negro dos anos 70 como “Foxy Brown” e “Coffy”, do ostracismo. Muito do estilo desse cinema ainda é aproveitado nos dois “Kill Bill” (que Tarantino, felizmente, conta como um apenas). Mas a ideia central aqui são os filmes de samurai japoneses e de kung fu chineses.

Mergulhando mais fundo no cinema B, mas voltando para a América, está “À Prova de Morte”. Desde a origem do projeto que, ao lado de “Planeta Terror” do comparsa habitual, Robert Rodriguez, rende homenagens aos clássicos de terror de baixo orçamento clássicos. É também seu filme que mais resvala nos Noir clássicos ao criar, na primeira metade, um clima de mistério, com personagens dúbios e mulheres-fatais. Na segunda metade ele se permite ir mais longe no trash elegante.

“Bastardos Inglórios” é para ser o mais óbvio nessa humilde retrospectiva. Tarantino faz seu filme-de-guerra, que é uma espécie de rito de passagem obrigatório de todo grande cineasta. Desde “Glória Feita de Sangue” e “Nascido Para Matar”, de Stanley Kubrick, até “O Resgate do Soldado Ryan” de Steven Spielberg, passando por “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola.

Em seguida Tarantino presta sua homenagem definitiva aos faroeste spaghetti, de Sergio Leone e Sergio Corbucci em “Django Livre”. Definitiva porque todo o seu cinema possui elementos do gênero. E se parece que ele está se repetindo em “The Hatefull Eight”, um novo faroeste, não se engane. Tudo o que ele tem dito parece fazer crer que o alvo agora são os westerns clássicos, especialmente os de John Ford que focavam em poucos personagens completamente diferentes que precisavam conviver por um motivo ou outro, como no clássico imortal “No Tempo das Diligências”.

Fora que cada filme seu possui um enquadramento ou movimento de câmera que remete a algum dos grandes mestres, como Orson Welles, Alfred Hitchcock, Akira Kurosawa, Charlie Chaplin, Howard Hawkes, Otto Preminger, Fritz Lang entre tantos e tantos outros. Faz sentido que, ao final desses dez filmes, ele simplesmente tenha usado todas as referências que tanto admira nos seus trabalhos.

E é como ele mesmo disse. Se “À Prova de Morte” é seu pior filme (e é mesmo, no sentido de ter muitas fragilidades cinematográficas, ainda que seja divertidíssimo), ele pode ter a certeza de que fez um bom trabalho.